Racismo no futebol: eles não são racistas só nas arquibancadas

A jornalista Monica Saraiva, especialista em futebol, e nossa colunista durante a Copa, discute o racismo no futebol. "Precisamos jogar no mesmo time para termos um Brasil para todas as pessoas".

09|11|2022

- Alterado em 17|05|2024

Por Mônica Saraiva

Começo minha coluna de hoje falando do racismo no futebol brasileiro.

Racismo esse que acontece dentro e fora de campo, e não é porque algumas pessoas que estão dentro dos estádios, nas arquibancadas, são racistas só neste espaço esportivo. Essas pessoas levam seu racismo na vida, como temos visto diariamente diversos casos denunciados na TV e nas redes sociais.

É triste ver num país como o Brasil, pela sua multiculturalidade, com 56% da sua população negra (entre pretos e pardos), com pessoas sendo insultadas pela cor de sua pele ou pelo CEP onde moram.

Assim como diz Djamila Ribeiro no livro “Pequeno Manual Antirracista”, “é importante ter em mente que para pensar soluções para uma realidade, devemos tirá-la da invisibilidade. Portanto, frases como “eu não vejo cor” não ajudam. O problema não é cor, mas seu uso como justificativa para segregar e oprimir. Vejam cores, somos diversos e não há nada de errado nisso. Se vivemos relações raciais, é preciso falar sobre negritude e também sobre branquitude”.

Para entender o racismo futebolístico, é preciso conhecer a história do Brasil. Oracismo no Brasil existe desde aera colonialeescravocrata, peloscolonizadores portugueses. Lembrando que estamos há 134 anos do fim da escravidão, que durou 388 anos.

Conecto essa linha de raciocínio com o trecho da música A Vida é um Desafio, de Racionais MCs:

No esporte no boxe ou no futebol
Alguém sonhando com uma medalha o seu lugar ao sol,

Porém fazer o quê se o maluco não estudou
500 anos de Brasil e o Brasil aqui nada mudou”.

A saída que eu vejo, neste momento, é a educação para combater o racismo no Brasil. É preciso formar pessoas antirracistas e que conheçam sua própria história.

Temos a Lei 10.639/03 que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a ensinarem sobre história e cultura afro-brasileira. E a Lei (11.645/08) tornou obrigatório também o estudo da história e da cultura indígena, incluindo a contribuição na formação da sociedade brasileira.

A educação é a base para combatermos todos os tipos de racismo e gerar uma sociedade que se respeite, que jogue em equipe por um país mais igual.

Em 1989, foi a primeira vez que a legislação contribuiu para a democracia racial no Brasil, 101 anos depois da abolição, quando a Lei Caó 7.716 tornou o racismo um crime inafiançável e imprescritível.

“O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento”, Sueli Carneiro, Doutora em Educação, fundadora da Organização Geledés – Instituto da Mulher Negra e filha de pai corintiano. A filósofa gosta de futebol e recentemente no podcast Mano a Mano disse que assiste à Premiere League porque é onde vê africanos jogando.

Entrando no tema futebol, recentemente me chamou atenção sobre o que aconteceu com o jogador Vinicius Junior, do Real Madrid (e também jogador da Seleção Brasileira) sobre a comemoração de um gol. “Se quiser sambar, que vá a um sambódromo no Brasil”. A partir de vários assuntos que geraram sobre o ocorrido, passei a estudar mais e analisar sobre a relação do Futebol Brasileiro, com a Ginga e Samba.

O samba no Brasil faz parte de nossas raízes ancestrais africanas, surgiu no começo do século XX. Tem uma ligação com as rodas de dança que os negros (as) escravizados (as) africanos (as) faziam nos seus poucos momentos livres. Essas rodas eram puxadas por um ritmo musical com batuques.

Vinícius Júnior é de São Gonçalo, Rio de Janeiro, um dos estados brasileiros que mais receberam pessoas africanas escravizadas. A cidade maravilhosa, com suas numerosas favelas, herdou uma linda e potente cultura afro. Entre elas o samba.

O samba é nosso patrimônio cultural e histórico. As escolas de samba tem uma importante representatividade em nossa história. Há muitas, cito duas delas que surgiram pouco tempo depois da abolição. Em 28 de abril de 1928, nascia o Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Um de seus fundadores foi o poeta, cantor e sambista Cartola . A outra é a Mocidade Independente de Padre Miguel, fundada em 10 de novembro de 1955. Ela surgiu a partir de um time de várzea, o Independente Futebol Clube de 1952.

O samba nesta época ainda sofria discriminação quando representado por negros, tidos como malandros, vagabundos e desocupados. Assim como no samba, os negros também tiveram dificuldades e sofreram preconceitos ao se inserirem no futebol, já que no final do século 19 tínhamos esse esporte de elite branca.

Futebol e samba são dois elementos que fazem parte do processo de formação da identidade brasileira. Os dois se conectam entre suas origens e histórias.

Diante de toda essa história, é importante dizer que o futebol hoje é formado pelas misturas de pessoas, necessário para acontecer a magia que encanta e traz identificação aos torcedores e torcedoras. O Brasil é diverso, e precisa ser assim em todos os campos da vida!

O futebol é uma linda dança! Com seus vários ritmos, é jogado nos mais diversos lugares da sociedade. Reparem nos passes, na ginga, no molejo.

Aliás, ginga e moleque, palavras tão usadas no utebol, são de origem africana. Ginga também representa a rainha angolana Nzinga, símbolo da resistência ao colonialismo português.

Todos esses temas, me fizeram lembrar da entrevista de 2020, do jurista e filósofo Silvio Almeida, sobre racismo no futebol, no programa Troca de Passes, do SPORTV. Em uma das falas, ele contou de seu pai, goleiro do Corinthians na década de 1960, que recebeu o apelido Barbosinha por conta do goleiro Barbosa (craque do Vasco da Gama que atuou pela seleção brasileira em 1950 no jogo entre Brasil x Uruguai. De virada, o Brasil perdeu de 2×1 com o Gol de Ghiggia. Dessa data em diante Barbosa sempre foi “crucificado”.

“Meu pai teve o apelido de ‘Barbosinha’, por causa do goleiro da seleção, o Barbosa. E eu notei que o apelido do meu pai era por conta de eles serem negros. E meu pai não herdou apenas o apelido, mas o estigma sobre os goleiros negros”.

Em agosto deste ano, durante o Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, Marcelo Carvalho, diretor do Observatório de Discriminação Racial, divulgou dados de um relatório.

Só no futebol, a alta de casos de racismo foi de 106% – em 2020, foram registrados 31, contra 64 de 2021. A conta de casos de racismo no futebol brasileiro até agosto deste ano chegou a 64. Ou seja, igualou o patamar de 2021. Há uma tendência de novo aumento para 2022. Ao todo, em 2021, foram registrados 158 casos de discriminação.Desses, 124 ocorreram no meio do futebol e 34 em outros esportes.

É preciso saber de nossa história, para entender nosso presente! Tudo que está acontecendo neste exato momento no Brasil, têm suas raízes no passado.

Precisamos jogar no mesmo time para termos um Brasil para todas as pessoas.

Plantar sementinhas na base para que suas raízes ganhem muitas Baobás – a árvore da vida – no futuro. Aeducaçãoé uma das principais ferramentas contra a discriminação racial e a favor da inclusão, cultura e população afrodescendente.

O Movimento Negro e tantas pessoas envolvidas com a história e pesquisa, fazem um trabalho importante para que o acesso à informação chegue até nós. Com informação, podemos combater o racismo que mata as pessoas, tanto no ato como nas palavras e no olhar.

Eu, como jornalista e fotógrafa, acredito na educação para combater o racismo. Por isso, para democratizar o conhecimento, dirigi um documentário sobre a influência africana no Brasil a partir do futebol como manifestação cultural popular. Chama-se “Gondwana, A Bola Conecta”. Deixo aqui o teaser e em breve link disponível da exibição completa no YouTube.

Mônica Saraiva Mônica Saraiva é jornalista, fotógrafa e diretora. Moradora da Brasilândia, em São Paulo (S), é filha de mãe e pai cearenses. Trabalhou 10 anos no Museu do Futebol. É cofundadora do Gondwana F&C (Futebol & Cultura) e da Gondwana Comunicações. Também atua como mentora, consultora e palestrante de temas relacionados a cultura, educação e esporte.

Os artigos publicados pelas colunistas são de responsabilidade exclusiva das autoras e não representam necessariamente as ideias ou opiniões do Nós, mulheres da periferia.

Larissa Larc é jornalista e autora dos livros "Tálamo" e "Vem Cá: Vamos Conversar Sobre a Saúde Sexual de Lésbicas e Bissexuais". Colaborou com reportagens para Yahoo, Nova Escola, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e Ponte Jornalismo.

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